sábado, 6 de julho de 2013

uma crônica sofrida

Escrevi esta crônica há quase 2 anos. Só agora me sinto corajosa o suficiente para postá-la:
 

 CRÔNICA: MEU CASO DE ABUSO SEXUAL
   Inicio esta crônica da mesma maneira que outra anterior: quando eu era criança, fui uma vez vítima de abuso sexual.
   Repito a frase como me agrada: quando eu era menina, fui uma vez molestada sexualmente.
   Errado. Eu não era uma menina, era um menino.
   Mas esse fato ajuda a entender a menina que sou hoje.
   Tento agora narrar esse episódio. Fico meio travada. Não consigo descrevê-lo com a ótica daquele menino de 6 ou 7 anos. Por isso narrarei do jeito que me sinto nos dias de hoje: feminina.
   Menino ou menina, eu gostava muito de futebol. Costumava ficar sozinha chutando uma bola, no pátio em frente ao prédio vizinho ao meu.
   Até que começaram a aparecer vários moços para jogar bola comigo. Não sei dizer a idade deles. Talvez entre 25 e 30 anos. Também não lembro se eram bonitos. Eram simpáticos, e jogavam bola comigo todos os dias.
   Uma senhora que morava no meu prédio advertiu: "Débora, não fique brincando com esses moços, eles são tarados! Se continuar, vou falar com sua mãe!"
   Acho que mamãe nunca soube. E eu não entendi a advertencia, pois era a primeira vez que ouvia a palavra "tarado".

   Um dia, um dos moços me convidou a subir ao apartamento dele, para me mostrar umas coisas que eu ia gostar. Eram brinquedos, carrinhos ou figurinhas, não me lembro.
   Para não ser visto subindo comigo, forneceu-me o número do apartamento, para que eu subisse mais tarde.
   Dito e feito: horas depois, a Débora pegou o elevador para encontrar aquele que seria o único homem da sua vida...

 
   ... e nem lembro o nome dele!
   Mas lembro que era muito educado.
   Mostrou-me o que prometera (acho que era mesmo um álbum de figurinhas). Perguntou-me se eu tinha gostado, respondi que sim. Então ele, sempre muito educadamente, pediu-me um favor.
   Pediu-me para acompanhá-lo ao quarto, e perguntou se eu não queria sentar no seu colo.
   Aceitei sem problema, pois já sentara no colo de muitos adultos (parentes). Mas aí ele fez um pedido estranho:  era para eu baixar minhas calças curtas. Assim fiz; e ele baixou suas calças compridas.

   Baixadas também nossas cuecas, não lembro os momentos seguintes. Só recordo que, passado algum tempo, ele me autorizou a me vestir. Mas não dava, pois eu estava toda melada nas coxas com um estranho líquido leitoso e gosmento!
   Reclamei, chorosa, e ele me pediu mil desculpas, e, sempre muito educadamente foi buscar papel higiênico, e ajudou-me a me limpar, muito pacientemente.

   Provavelmente batera nele aquela sensação de arrependimento que vem logo após o gozo, conforme aprendi anos depois quando comecei a me masturbar, aproveitando as características masculinas de minha anatomia.
   Num dos dias seguintes, ele me convidou de novo a subir ao apartamento. Falei que não, que não tinha gostado, mas ele implorou, prometeu de novo os brinquedinhos. Fiquei com dó, e concordei. E aconteceu tudo de novo, de forma idêntica.


   Foram só essas duas vezes. Fiquei aliviada ao perceber que o cara provavelmente tinha se mudado.
   Com o tempo, apaguei da memória o líquido leitoso e gosmento. Até que anos depois, no curso ginasial, aprendemos noções de Educação Sexual. Para uma classe composta de meninos e meninas, a professora de Ciencias explicou o que era uma relação sexual, ensinando palavras como pênis, vagina, menstruação, ereção... e explicou como era o esperma.
   Talvez alguns dos meninos já tivessem experimentado suas primeiras ejaculações (eu ainda não). Mas para 99 por cento das meninas da classe, o tal do esperma com certeza era uma absoluta novidade - menos para mim, Débora!
   Um ou dois anos depois, iniciei minhas experiencias com meu próprio esperma. Como expliquei alguns parágrafos acima, minha genitália é masculina. Esfregava meu membro como fazem os homens ao se masturbarem. Mas os desejos que eu estimulava eram sempre femininos.
   Eu me sentia feminina e, em todas as vezes que gozei, nunca, repito, nunca me senti homem. Usei os verbos no pretérito, mas até hoje é assim: sou feminina.
   Voltando àquele longínquo momento em que sentei no colo de meu namorado, não recordo o que sucedeu antes de me ver borrada de esperma.
   Será que ele meteu em mim? Tenho quase certeza que não, acho que não daria pra esquecer a sensação (hmm... acho que dói, mas deve ser gostoso). E, se eu fosse penetrada, o esperma teria se alojado em meu cuzinho ao invés de sujar minhas coxas...
   Portanto continuo virgem. Nunca mais nenhum homem sequer viu minha xoxota. Eu mesma tenho dificuldade de olhá-la. Quando me olho no espelho, estou sempre de calcinha.

........................................................

    Bem, contei uma história em grande parte verídica. Ao narrá-la, fiz várias inversões de gênero para esquecer o sofrimento que devo ter sentido naquelas ocasiões. Sim, "devo ter sentido", mas o que está hoje em minha mente é prazer.
  Nas postagens deste blog, me assumo "sexualmente invertida", e aprecio ser assim. Invertida? Ou sou um pervertido?
  Esse sujeito cometeu uma monstruosidade comigo. Por incrível que pareça, sinto-me agradecida, e acabo de chamá-lo de "meu namorado".
  O episódio deve ter contribuído para que eu me tornasse uma criança acanhada. Tímida, medrosa. Talvez passiva, submissa. Pode-se inferir que isso significou tornar-me feminina? As feministas não vão concordar. Tenho um machismo dentro de mim, mesmo tendo renunciado a ser macho.
  Perdão se incomodei com meus devaneios de garota.

Débora Lygia
Setembro de 2011
revisado: julho de 2013
fotografias deste post: David Hamilton, "The Age of Innocence"




Nenhum comentário:

Postar um comentário