domingo, 2 de outubro de 2011

MAIS UMA CRÔNICA SOBRE BULLYING E BIQUINIS

Quando eu era criança, fui uma vez vítima de abuso sexual.
Prefiro dizer assim: quando eu era menina, fui uma vez molestada sexualmente.
Errado. Eu não era uma menina, era um menino.
Mas esse fato ajuda a entender a menina que sou hoje.

Vou relatar esse episódio em outra ocasião. Hoje vou relatar outro acontecimento de minha adolescência que também me deixou traumatizada (bem, toda a minha adolescência foi traumática devido à dificuldade quanto a minha identidade sexual; mal sabia eu que levaria uns 30 anos até ser uma mulher resolvida como sou hoje).

O episódio deu-se numa aula de ginástica, no curso colegial. Havia um exercício em que todos nós levantávamos os braços. E um colega apontou para mim, notando que eu era o único a não possuir pelos nas axilas (o popular “sovaco”).

Todos os outros meninos começaram a rir de mim!
Foi minha experiência mais parecida com o que hoje chamam “bullying”.

Fiquei envergonhada, pois achei que estava sendo chamada de bicha... mas não quis admitir que aquela ausência de pelos significava que eu podia ser uma menina!

Aquela poderia ser a época propícia para eu ser submetida a um tratamento hormonal. Mas... seriam hormônios masculinos ou femininos? Quem saberia o que era melhor para mim? Podia variar conforme o especialista. E qual era o meu desejo?

Eu procurava levar uma vida normal de garoto. Adorava futebol. Mas... já era a época dos “meus primeiros sutiãs”, que narrei numa crônica com esse nome. Adorava vestir meu biquíni alviverde, cheio de alcinhas e lacinhos, me olhar no espelho e admirar minhas curvas sensuais...

Algum tempo depois os pelos no “sovaco” começaram a surgir, mas até os 26 anos não tinha nada de barba. Também sem pelos no peito (não os tenho até hoje), meu corpinho andrógino permitia perfeitamente que eu saísse na rua vestida de mulher, coisa que infelizmente nunca fiz! Lamento não ter tido coragem, pois, com um pouco de produção, um batonzinho, uns brincos, umas sandalinhas, eu ficaria bem graciosa! Claro que não era uma “boazuda”. Mas, para quem aprecia uma cinturinha fina, eu era gostosinha...

A barba surgiu no ano de minha primeira internação psiquiátrica. Antes de ser internada eu estava me barbeando exatamente uma vez por mês. Depois que saí da clínica, a barba passou a crescer mais, o que sugere que os medicamentos cortaram meu barato de ser feminina. Felizmente, nas décadas que se seguiram, consegui reverter esse processo (sem eliminar a barba). Com ajuda de muita psicoterapia, tornei-me mulher. Agradeço às pessoas que me trataram, mas o que valeu mais foi minha própria disciplina e perseverança, portanto posso dizer que eu me fiz mulher.

Ainda não anunciei publicamente minha mudança de sexo. Aguardo o momento propício, que será decidido junto com o homem de quem me tornarei esposa. Me revelarei mulher quando todos os amigos me virem num lindo vestido de noiva!

Débora Lygia